quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

O admirador

(2013)
Chego em casa cansada de mais um dia, e encantada com a beleza da cidade após o anoitecer. Tomo o banho da noite, preparo meu café e sento-me à minha escrivaninha. Há muito o que arrumar, há muito o que produzir, há muito o que preciso viver através de lugares que podem nem existir, e palavras, objetos, detalhes descritíveis, perceptíveis, encantadores, simplesmente apaixonantes. À esquerda, a coleção de textos bem separados: de outros autores, meus: para terminar, para publicar, para iniciar. À direita uns livros "empilhadinhos", e no centro uma caneta tinteiro próxima à xícara. O ambiente mais que perfeito. Juntando alguns papéis, comecei a escrever.

Foi em um dia claro, estava eu fazendo o percurso de todos os dias quando deparei-me com tamanha beleza em uma jovem só, não sorridente, mas de aparência meiga e angelical.
Após alguns minutos observando-a, eu, todo desajeitado, simples, e um rosto não muito agradável (admito ser feio), resolvi me aproximar. Assim deu para notar a bela cor dos seus olhos, um castanho escuro intenso como a forma como me olhava, a pele branca porém não incomodava aos olhos, e uns cabelos castanhos bem escuros de uma sedosidade inigualável, completada por algumas mechas intrometidas e vermelhas.
Começamos a conversar e com uma rapidez imperceptível, contou-me que não segue a nenhuma religião e gosta de ir à exposições de arte. Costuma frequentar algumas lanchonetes específicas e acredita que muitas coisas ainda podem se resolver através de uma conversa, e mesmo que algumas palavras soassem frias, pelos olhos dela pude perceber seu calor.
O diálogo fluiu bem à ponto de não percebermos o anoitecer se aproximar e fui para casa pensando naquele rostinho, naqueles cabelos, e principalmente naquele olhar encantador. Fui descrever em palavras para um dia contar aos nosso filhos, ou talvez apenas para guardar para mim tais lembranças. Julho passou com toda velocidade possível, e nem por um dia deu para esquecer aquele encontro. Aquelas palavras pronunciadas, tão certas como o dia e a noite, desfilando preenchendo nós dois.
Tão breve é um momento, e tão breve somos nós, nossa alma tem fome e sede assim como o corpo, porém nem todos a saciam... Ali estava meu futuro, independente dos fatores, e vi o tempo levá-lo. Porque assim como o vento leva as folhas, o tempo faz questão de levar as nossas vidas. No dia em que nos conhecemos, mesmo apenas uma vez nos falando, senti o que minha alma queria, porém não tive coragem para agarrar. E às vezes, oportunidades passam sem nos dá tempo para parar para pensar. Agir sem pensar pode ser perigoso, porém se há um músculo involuntário tentando lhe dizer algo (porque acredito que ele diz) é interessante tentar viver ouvindo e pensando sobre. Voltei ao local pela milésima vez, na esperança de encontrá-la. Analisei e reconheci todos os detalhes, porém vê-la acompanhada e com um bebê, foi suficiente para me fazer voltar para minhas paredes, uma cozinha e uma sala, e me achar o maior estúpido do mundo a esperar por uma desconhecida. A morte veio subitamente, após horas agonizando, fechei os olhos com a face dela em minha mente.

O café acabou, porém a história pareceu continuar sem um fim exato e marcante. O que é comum. Por isso tão poucos ocupando a seção dos concluídos. Porque é mais simples preencher, nem que seja com palavras bobas, que acabá-lo de vez. Ainda pensando se realmente estava bom, apenas resolvi aceitar essa historinha, sendo ela mais um brinquedo meu de esconde-esconde. Quebrado, mas sendo.
Olhei no relógio. 21h40. Ainda cedo para afogar-me no sono, portanto me voltei aos instintos e desejos escondidos, e resolvi continuar a história apenas pensando enquanto andava pelas ruas. Pensando que aquele bebê poderia ser seu sobrinho, e o homem seu irmão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário