sábado, 13 de dezembro de 2014

Somos pessoas exercendo nosso direito de ser

Se uma mulher tiver uma superioridade específica, por exemplo, uma mente profunda, é melhor ser mantido em segredo. Humor é apreciado, mas profundidade? Não. É a qualidade mais traiçoeira de todas.
Becoming Jane ou Amor e Inocência

Esse é um retrato do pensamento dos séculos XVIII e XIX sobre a posição da mulher na sociedade, e que ainda pode ser visto em atitudes de pessoas de ambos os sexos, séculos depois, mesmo após a invenção da pílula, a conquista do direito ao voto e a introdução da mulher no mercado de trabalho.

Através das interpretações bíblicas pode-se perceber a visão da mulher como submissa, criada para servir e obedecer ao pai, e logo após ao marido, não podendo questioná-los. Como aquela que apenas cuida dos filhos, do cônjuge e administra o lar - se acabou o papel higiênico, se o almoço está quente, se a casa está totalmente limpa porque se não estiver o marido sofrerá ofensas sociais dos outros pois ele não adestrou sua mulher o suficiente para fazer um bom serviço doméstico. Infelizmente, essa é uma ideia que foi bastante difundida nas sociedades, podendo observar que o mundo teve poucas organizações matriarcais, ou igualitárias, como os Celtas.

Assim, o papel da mulher desde o começo da vida humana passou a ser a dona de casa, a que faz tudo para o marido, pois o mesmo não pode lavar as louças ou passar as roupas, porque isso diminuiria sua imagem social de "masculinidade"; inclusive suportar as tantas traições, já que nessa linha de pensamento arcaica e absurda o homem pode trair, mas a mulher não.

Parte dessa cultura ainda é passada para as gerações seguintes quando os pais não dividem as tarefas domésticas igualmente entre filhos homens e filhas mulheres, quando ensinam apenas elas à cozinhar, quando ensinam aos meninos que eles tem todo o direito de "pegar" as garotas, como se elas fossem objetos que os mesmos poderiam possuir e descartar sempre que quisessem. Ainda existem homens que, para casar, não observam o caráter mas o requisito virgindade. Eles já tiveram relações sexuais com todos os tipos de mulheres (as quais consideram fúteis e sujas), sabe-se lá que doenças podem ter por conta disso, não possuem caráter e não respeitam os seres humanos do sexo feminino, mas só casam se a garota for virgem, ou pior, só dão valor à mesma se tiver esse requisito, mesmo que lhe falte os principais para qualquer ser humano.

Filhos homens possuem mais oportunidades, não são tão limitados pois a preocupação é enormemente menorjá que eles não podem voltar com uma barriga maior que o normal para casa por conta de uma gravidez - o que, hoje, é equivocado pois o rapaz tem de arcar com as despesas e a criação se tiver um filho -; já que eles no meio social não são vítimas de comentários maldosos com os piores palavreados se alguém difundir o fato dele ter feito sexo. A bonequinha princesinha do papai e da mamãe é sempre o alvo.

O filme fracês Después de Lucía simboliza bem o preconceito e a segregação desde a adolescência. Dois jovens se conhecem e fazem sexo logo, a mulher é a que sofre até mesmo torturas por isso. É a que vai ser acusada de não ter "valor". É a que vai aguentar xingamentos, mesmo quando um vídeo dessa relação é gravado e difundido não por ela, mas por algum rapazinho que se acha no poder. Enquanto que o homem pode fazer o mesmo com várias em uma mesma noite, mas terá, apenas, sua imagem social de masculinidade fortalecida.

O que pode-se perceber através de registros escritos de sociedades passadas e relatos cinematográficos verídicos de mulheres que vivenciaram esse preconceito, é que elas eram bonecas de porcelana, peças de um jogo social e financeiro, objetos dos homens e das famílias. Ou seja, não um ser humano, mas uma escrava, que era vendida por dotes e obrigada a servir, sem voz, sem autonomia.

O filme Amor e Inocência retrata a vida da escritora Jane Austen, e através dele é possível ver o que ela sofreu por não aceitar um casamento que traria muito dinheiro para sua família pobre. A quantia não seria para ela, mas sim para seus parentes; o que estava em jogo não era a Jane, como pessoa, mas a filha adorável que foiesplendidamente felicitada com um convite de casamento irrecusável. Ao visitar uma escritora, a mesma diz para Jane que não é possível ser uma boa esposa e uma boa escritora. O senhor Lefroy, o rapaz por quem a senhorita Austen se apaixonou (reciprocamente) seria advogado, apesar de não querer, e viveria disso; Jane não poderia viver da escrita, tanto por não ser um meio seguro economicamente, quanto por ela se sustentar sozinha, o que parecia impossível e um disparate. No livro Senhora, de José de Alencar, há uma passagem onde a personagem Aurélia é mandada pela mãe para ficar na janela, o que aumentaria sua chance de achar um pretendente, única ocupação da garota.

Na Pré-História e na História Antiga têm-se dados de que as sociedades eram matricêntricas, ou seja, a mulher não dominava, mas era o centro social por conta da sua fertilidade. Isso mostra o quanto o ser humano consegue ser extremista, pois a mulher não é o único símbolo de fertilidade assim como o homem não é o único símbolo de liderança. Ambos administram, ambos lideram, ambos são importantes e é necessária a participação de ambos para que um novo ser nasça. Na civilização Romana a mulher era valorizada, juntamente com a família, como uma base fundamental, e o trabalho doméstico uma virtude. A situação feminina só se expandiu para profissões na Idade Média.

Se hoje nós, mulheres, podemos votar, ter participação política, trabalhar, e, com sorte, ter um casamento onde ambos administrem o lar em parceria, foi graças à luta de muitas outras que deram "a cara a tapa" para conseguir fugir de parte desses paradigmas, e são homenageadas no dia 8 de março, dia esse que não homenageia o fato das mulheres usarem salto alto, maquiagem, sutiã e suportarem o sangramento menstrual mensal, como muitos meios midiáticos divulgam. Parte disso são desafios da natureza que nos foram impostos, e são mínimos perto dos olhares tortos e das agressões físicas e psicológicas que muitas suportam ainda hoje.

Direitos femininos vem sendo conquistados desde os séculos XVIII e XIX: direito ao voto, divórcio, educação e trabalho. Nos anos 1960, com a liberdade sexual ligada ao uso dos contraceptivos. E nos anos 1970, através da luta por igualdade de trabalho, essa que ainda se faz presente.

Nas antigas sociedades mediterrâneas, a mulher vivia uma condição legal limitada e sem direitos políticos. Foi a partir do século 18 que se começou a falar em reivindicação dos direitos da mulher [...] Ainda no século 19, no contexto da Revolução Industrial, o número de mulheres empregadas aumentou significativamente, iniciando um período de longas jornadas de trabalho nas fábricas, mas com os salários significativamente mais baixos em comparação aos homens. Foi a partir desse momento que o feminismo se fortificou como um aliado do movimento operário e em busca de melhorias trabalhistas. 
Direitos femininos, uma luta por igualdades e direitos civis. UOL Vestibular

Greves foram realizadas em Nova York em 8 de março de 1857 e 25 de março de 1911, fortemente reprimidas, e na Rússia em 8 de março de 1917, fatos que ajudaram a instituir esse dia como o Dia Internacional da Mulher.

Sim, hoje a mulher pode votar, governar países, se inserir no mercado de trabalho, escolher quando ter filho, quando casar, Porém, ainda existem famílias retrógradas que não dão tais permissões e as segregam pelo sexo. Homens que se acham donos e agridem mulheres física e psicologicamente. Ainda há culturas onde pessoas do sexo feminino que optam por não casar e são autossustentáveis, ou escolhem ter filho solteiras, recebem ofensas de várias formas, mesmo da família, o que torna a situação ainda pior.

Portanto, não é ser superior o objetivo das mulheres, mas sim serem respeitadas, ouvidas, donas de si mesmas. Há quem reclame e considere algumas situações que defendem a mulher como "privilégio", mas na verdade os únicos privilegiados durante toda a História foram os indivíduos do sexo masculino. A escravidão física pode ter acabado, mas a psicológica infelizmente ainda perpetua, e elas querem quebrar estas correntes que as mantem presas a regras ridículas, arcaicas, fúteis e prejudiciais. Então, com licença, que nós, mulheres, queremos passar e conquistar nosso espaço como seres humanos. Os primeiros passos foram dados, mas ainda estamos longe da igualdade.

G1 – Um dos destaques da música brasileira de 2014 é Valesca Popozuda. Ela diz que 'ser vadia é ser livre'. Você concorda? Vê um paralelo entre o seu trabalho e o dela?
Pitty – Entendo totalmente o que ela quer dizer com essa frase. É um pensamento que tem a ver com ideais feministas. Uma "vadia", perante essa sociedade machista, é uma mulher que usa saia curta ou decote e por isso "tá pedindo", que ousa sair sozinha, que anda nas ruas a noite, que comete o disparate de emitir opiniões, que fala sobre e gosta de sexo. Ou seja, uma mulher livre. Se para esse sistema patriarcal, ter direitos sobre o próprio corpo e a própria vida é ser "vadia", então, somos todas vadias. O paralelo que vejo entre nossos trabalhos é esse: somos mulheres exercendo o direito de ser.
Entrevista da Pitty ao G1 

Propaganda criada durante a Segunda Guerra Mundial, símbolo das mulheres que foram trabalhar nas fábricas substituindo os homens.
Link para a publicação do texto no blog transgressão.

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